quarta-feira, 15 de agosto de 2012


6.2- Os filhos do 1º casamento


  Dentre os onze filhos do casal João Gonçalves Franco-Escolástica Angélica Bernardina contava-se minha trisavó, Francisca Cândida de Assis Franco, 1ª esposa de CJM, batizada na Igreja Matriz de Curitiba em 29 de setembro de 1819, sendo seus padrinhos o padre Antônio Teixeira Camello e Lourenço Pinto de Sá Ribas, “em ato administrado pelo padre Thomé Alves de Castro” (1).  
 
O padre Camello ao falecer em 1847, com 63 anos, deixou em testamento “para uma Santa Casa que fosse fundada” um imóvel junto à Igreja Matriz, na esquina da rua Fechada (atual José Bonifácio) com a praça da Matriz (atual Tiradentes). Esse imóvel seria ocupado pela sociedade Fraternidade Curitibana, antecessora da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, que ali atenderia “indigentes e desvalidos” (2).

O outro padrinho de Francisca, Lourenço Pinto, “exerceu o cargo de capitão-mor /.../ Tomou parte ativa na vida política do 1º Império, sendo eleito membro do Conselho Geral da Província de S.Paulo”, conforme Ermelino de Leão. Foi deputado da Assembleia Geral em 1830-31 e 1832-33. Faleceu em 1840. Sua filha Escolástica Joaquina casou-se com o brigadeiro Manoel de Oliveira  Franco (3). 

  Sobre a vida de Francisca anterior ao casamento com CJM, e sobre sua educação, não encontrei nenhum registro. Mas o fato de ser neta do “mestre-régio” Manoel Teixeira e irmã (mais nova) de Rita Ana de Cássia, a 1ª.  professora do ensino público de Curitiba, lhe proporcionou condições mais favoráveis e estímulo para se instruir, em comparação com outras moças curitibanas de sua época (v. adiante cartas redigidas por ela).  

  O casamento com CJM ocorreu em 21 de novembro de 1840, na Matriz de Curitiba, como já foi dito. Dessa união, resultaram 10 filhos, 5 homens e 5 mulheres:

  Alfredo Caetano Munhoz (1845-1921), Caetano Alberto Munhoz (1847-1907), Luíza Munhoz (bat.1849-1886), Augusta Cândida Munhoz Negrão (1851-1920), João Alberto Munhoz (1852-...), Carolina Munhoz (1854-1933), Francisca Munhoz Viana (1856-...), Florêncio José Munhoz (1857-1909), José Caetano Munhoz (1859-...) e Maria Leocádia Munhoz (1860-...) (4)
            O zelo materno de Francisca é revelado pelas cartas ao filho Alfredo, quando estudava no colégio “dirigido pelo afamado professor Kopek”, de Petrópolis, reproduzidas no livro “Folhas Cadentes” (Elogio do Patrono), de seu neto Alcides Munhoz (5). Aqui, abro um parêntesis para dizer que, na realidade, trata-se de Köpke e não Kopek, o nome do professor. Os irmãos Henrique e Guilherme Köpke fundaram em Petrópolis, no ano de 1850, um estabelecimento considerado modelar de ensino primário e secundário. Segundo Cláudia Panizzolo, o estabelecimento era modelar não só pelo corpo docente e estrutura curricular mas também pela arquitetura do prédio, da qual se encarregou  Guilherme, que era engenheiro. A importância do colégio foi destacada por Fernando de Azevedo em “A Cultura Brasileira” (6).
Transcrevo abaixo duas cartas de Francisca não só para mostrar um pouco da psicologia dela mas também da sua capacidade de expressão por escrito. E para mostrar a linguagem que os pais usavam para dirigir-se ao filho (tratam-no por “vós”). Seria esse modo formal de tratar o mais adequado para uma carta, em meados do século XIX, ou decorria da influência portuguesa sobre o meio?:   

     Meu querido filho Alfredo.
    Estimarei que esta vos encontre com saúde e bastante adiantado nos vossos estudos; nós vamos passando bem, graças a Deus, porém com muitas saudades vossas, e só o desejo que temos de que estudeis para serdes alguma cousa para o futuro, nos obriga a estarmos tão longe de vós. Nesta ocasião vos remeto 12 camisas de morim fino que estimarei fiquem de vosso agrado, e mandai-me dizer se precisais camisas para dormir, para vos mandar.
     Na primeira ocasião vos mandarei uns doces que já estão prontos.
   Mandai dizer se já fizestes algum exame de francês, latim e mais alguma cousa, pois vós bem sabeis quanto apreciamos vossas cartas; porém sempre nos dizeis a mesma cousa. Teus manos todos têm muitas saudades de vós. Luizinha e Augusta (a) estão na escola de uma Sra. Bahiana que é bem boa mestra. Caetano Alberto e Joãozinho (b) também estão na escola, e julgo que vosso pai este ano não irá levar teu mano porque ainda está nas primeiras letras. 
   Adeus meu querido filho; recebei um abraço de vossa mãe e de cada um de vossos manos e manas; dai recomendações a vosso respeitável mestre o Dr. Kopek que eu e vosso pai mandamos; e recebei a benção de vossa mãe.
     Curitiba 17 de março de 1859
                                                             Francisca
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(a) Luíza e Augusta, filhas de Francisca, tinham então 10 e 8 anos de idade, respectivamente.
(b) Os filhos Caetano Alberto e João Alberto tinham então 11 e 6 anos.

Note-se a sua preocupação com o estudo, inclusive das meninas.

            A outra carta de Francisca que consta em “Folhas Cadentes” é a seguinte (nessa época Caetano Alberto já é também aluno do Colégio):

     Meu querido filho Alfredo.
   Estimarei que esta vá encontrar vós e Caetano com saúde, e bem adiantados em vossos estudos; nós todos vamos passando bem, graças a Deus. Estimarei que já recebêsseis a marmelada que mandei; e agora remeto para o vosso correspondente para vos ser entregue, um paletó branco, que vosso tio Bento(a) vos manda; vai um chapéu, que mando para o Caetano, vão 3 queijos grandes que mando para vós e vosso irmão; pelo outro vapor mandarei os pêssegos. No dia 4 de fevereiro pp. fizestes 15 anos (b), e nesse dia fiz doces para comermos com vosso pai e irmãos e sentindo que vós não podêsseis participar deles. Estimo que vos divertísseis com a chegada do Imperador e com as belas iluminações que lá fazem. Aqui chegaram 30 bugres entre grandes, pequenos e mulheres, coroados, e vieram passear com o diretor deles, e o Presidente mandou dar roupa, machado, foices e facas; eram muito brutos, só comiam milho seco; e nem pão queriam. O Florêncio (c) ainda cá está e por oras vosso pai precisa dele. Dei as lembranças que mandastes e todos vos agradecem; vossa avó (d) vai indo como sempre; ora na cama, ora em pé; ela vos agradece as vossas lembranças e igualmente vossa madrinha e padrinho (e). Vossa avó  vos lança sua benção e sempre reza para que vós sejais feliz. Adeus meu querido filho; aceitai as nossas bênçãos e que Deus vos faça feliz. Vossa mãe que muito vos estima—Francisca.
     Quando escreverdes mandai lembranças para vossa tia Balbina (f).

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(a) Bento Florêncio Munhoz, irmão de CJM
(b) Alfredo nasceu em 4 de fevereiro de 1845. Fez 15 anos, portanto, em 15 de fevereiro de 1860. Assim, a carta é posterior a essa data (e anterior a outubro de 1860, conforme item d abaixo).
(c) Florêncio, filho de Francisca, tinha apenas 2 anos e alguns meses de idade nessa data, pois nasceu em 21 de dezembro de 1857, como adiante se verá. Deve  tratar-se portanto de outro Florêncio, não deste seu filho. Poderia ser Florêncio Munhoz da Rocha, sobrinho de CJM, filho de sua irmã Maria Lícia (cf. Francisco NEGRÃO- “Genealogia Paranaense”- op. cit., v.I, p.256).
(d) D.Escolástica faleceria em outubro de 1860, conforme foi dito acima. A outra avó, D. Luísa Lícia, já havia falecido, em 1857.         
(e) Os padrinhos de Alfredo eram o comendador João de Oliveira Franco (irmão de Francisca) e D. Maria Lícia Munhoz (irmã de CJM), que casou com o português Manoel Martins da Rocha, pais do Cel. Bento Munhoz da Rocha, dentre outros filhos.
(f) D. Balbina Lícia Munhoz era irmã de CJM. Casou com o major Mathias Taborda Ribas, “comendador e importante industrial”, segundo F. Negrão. A omissão das lembranças à tia, nas cartinhas de Alfredo, devia estimular sua suscetibilidade...  

  No livro de Alcides Munhoz também consta uma carta de CJM, transcrita a seguir, que bem revela o espírito prático do pai, e sua contenção emocional (não chama o filho de “querido”, como a mãe, e tem pressa de vê-lo “tratar da vida”, mas revela cuidado com a saúde do filho, haja vista a ameaça da febre amarela):  

     Alfredo
   Esta serve de vos dizer que ficamos bons, graças a Deus, e estimamos que vós e Caetano gozeis saúde, e que vos tenhais vos adiantado. Quanto ao Caetano, que vá estudando, para depois ver o que ele deve seguir, ou negociante, engenheiro, Dr. em leis, ou padre, aquilo para que ele tiver mais jeito, porque mesmo hoje inda ele não sabe o que deve querer, porque inda há pouco foi para o Colégio.
   Jayme (a), de vossa tia Carlota, deve vir para as férias de Dezembro, tempo em que hei de mandar vir vocês para esta, para daqui irem juntos, pois vós sabeis que desejo muito que sejais Dr. em leis, etc. como já temos conversado.
   Consta-me que na Corte há febre amarela, por isso não vos afligis em não irdes passear à Corte; em primeiro lugar a saúde, não falta tempo de passear e cuidar em adiantar-se para logo começardes a tratar da vida. Recebam a benção de vossa mãe e deste vosso pai.-- Caetano.
   Curitiba, 9 de março de 1860. (7)
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(a) Trata-se, na realidade, de James e não Jayme  esse  filho de D. Carlota  Angélica  de Oliveira e Souza, irmã de Francisca. Ele se formaria pela faculdade de Direito de S.Paulo em 1864. Ver nota (8). 

               Note-se, na carta de CJM, seu interesse em aproximar os primos, querendo que passem as férias juntos em Curitiba, para seguir depois rumo às localidades onde se situavam os estabelecimentos escolares que frequentavam (para fazer essa viagem, embarcava-se em Paranaguá num navio a vapor com destino ao Rio de Janeiro, com escala em Santos). James nascera em 1841, era portanto alguns anos mais velho que Alfredo e Caetano Alberto. Devia estar, por isso, mais adiantado nos estudos. Aparentemente, CJM queria que os filhos recebessem a influência positiva dele, no sentido de que também adotassem o projeto de se tornarem “Doutores em leis”.

  Francisca, juntamente com outras senhoras, cuidou do filho do Conselheiro Zacarias, quando ele estava doente. Em nota publicada no “Dezenove de Dezembro” de 24 de janeiro de 1855, Zacarias agradece ao Dr. Murici pelos cuidados que dispensou ao seu único filho, salvando-o de “uma enfermidade mortal”, e também expressa sua gratidão a D. Francisca Cândida de Assis Munhoz, D. Brazília Rita de Medeiros, D.Luduina d’Avila Carneiro e mme. Ana Fere e à sra. Henriqueta Teixeira, “que velaram noites inteiras ao lado do enfermo” (9).

O filho de Zacarias devia ser ainda bebê de poucos meses, pois o pai veio para o Paraná recém-casado (casara em 8 de outubro de 1853). Passara a lua-de-mel em Paris (10). Imagino o contraste de sensações experimentadas pelo  casal, ao vir para cá, fazendo a penosa travessia da Serra do Mar, por um caminho precaríssimo e perigoso, e passando a viver depois num lugarejo pantanoso, assentado junto aos rios Ivo e Belém... 

A nota acima revela a proximidade que havia entre Francisca e Carolina, a esposa do Conselheiro Zacarias, que aliás era sua comadre, pois ela e o presidente da província foram padrinhos de  batismo de uma filha sua, nascida em 1854 (a filha tomou inclusive o nome da madrinha).    

  A pesquisa bem documentada de Eremir Bley Corrêa, além de citar datas de nascimento, batismo e morte dos filhos de CJM, cita também o nome de seus padrinhos de batismo, informação útil para se avaliar o círculo social de CJM. Assim, verifico que foram padrinhos, dentre outros (excetuados os parentes), o presidente Zacarias de Góes e Vasconcelos e sua esposa (padrinhos de Carolina), o comendador Manoel Gonçalves de Moraes Roseira e esposa (padrinhos de Francisca), Manoel Antônio Guimarães e esposa (padrinhos de Florêncio) e o presidente José Francisco Cardoso e esposa (padrinhos de José Caetano), como se vê, pessoas da mais alta posição social na Província.

O comendador Manoel Gonçalves de Moraes Roseira, segundo seu necrológio, publicado no DD de 6 de julho de 1886- p.2, era "um dos mais importantes fazendeiros desta província". E Manoel Antônio Guimarães (Barão e depois Visconde de Nácar), um de seus maiores exportadores de erva-mate, como vimos. 

  Todos os filhos homens, exceto José Caetano, fizeram carreira no serviço público. Alfredo, Caetano Alberto e Florêncio foram funcionários da Tesouraria de Fazenda ou das Alfândegas de Santos, Maceió ou Paranaguá, órgãos do Ministério da Fazenda. João Alberto, dentre outras ocupações governamentais, exerceu o cargo de diretor da Secretaria do Interior, Justiça e Instrução Pública do Estado do Paraná. Quanto a José Caetano, ele foi “importante negociante em Santos” segundo Francisco Negrão.

F. Negrão foi a minha fonte primeira das informações sobre cada um dos filhos de CJM que apresentarei a seguir, resultantes da sua união com D.Francisca, e depois com D.Narcisa. Essas informações foram complementadas por mim, quando possível, como resultado da pesquisa no jornal “Dezenove de Dezembro”, ou em outra fonte, que se estendeu até o final da década de 1880, embora CJM tenha morrido em 1877, pois aquele marco cronológico -- que assinala a abolição da escravatura e a queda da monarquia -- representa o fim de uma época, a época de CJM.

 Acredito que a leitura “transversal” desses tópicos sobre cada um dos filhos de CJM poderá auxiliar na caracterização e compreensão da sociedade curitibana e provincial de seu tempo.

                                                                *    


Alfredo Caetano Munhoz (Fonte: internet)
                                      
  O primogênito de CJM, Alfredo Caetano Munhoz, nasceu em 4 de fevereiro de 1845. Ocupou todos os postos da carreira na Tesouraria de Fazenda nacional, até chegar ao de “Inspetor efetivo” em 1878, com apenas 33 anos. Durante 1878-1879 foi Inspetor “em comissão” da Tesouraria da Fazenda de Mato Grosso. Retornando ao Paraná, reassumiu seu cargo de Inspetor efetivo da Tesouraria. Depois de aposentar-se, em 1889, “Exerceu diversas comissões dentro e fora do estado, por nomeação dos governos provincial e geral”, diz F. Negrão. Foi também relator dos debates do Congresso Legislativo do Estado. Sabia várias línguas e redigiu “revistas e jornais, de propaganda e literários”. Dentre os literários citam-se “Iris Paranaense”, que fundou em 1873, juntamente com Luiz França, Faria Sobrinho, Júlio Franco e outros, e “A Colmeia”, de 1898.  Redigiu, durante 14 anos, o quinzenário “A Luz”, que apareceu em 1890, órgão do Centro Espírita de Curitiba. Casou-se duas vezes, a primeira com Rita de Assis de Oliveira e após o falecimento desta, com Analia de Oliveira. Retirou-se então para Porto Amazonas, e aí viveu 11 anos, entregando-se ao estudo da Botânica e da História Natural. Faleceu em 1º de fevereiro de 1921 (11). É patrono da cadeira nº 11 da Academia Paranaense de Letras (12).   

Sua filha Francisca (v. adiante, cap. 7) é referida muitas vezes no “Dezenove de Dezembro” como jovem talentosa, aprovada com louvor nos exames preparatórios para o ingresso nos cursos superiores do Império (que não existiam então no Paraná) e elogiada pelos seus dotes artísticos, sendo aluna de Mariano de Lima.  Ela se casou com Carlos Cavalcanti de Albuquerque, oficial do Exército, que viria a ser presidente do Estado (1912-16). Outros filhos de Alfredo foram o General Raul Munhoz (1875-1940) e o 2º Ten.Caetano José Munhoz (1882-1915). Este homônimo do avô faleceu em combate na Revolta do Contestado, lutando pelo lado legalista contra os caboclos despossuídos (uma morte heroica numa guerra injusta!). Faleceu em 9 de janeiro de 1915 na tomada do Reduto Josephino, quando se encontrava adido à 2ª. Companhia de Metralhadoras. Havia estudado na Escola Preparatória e Tática do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul, e em outras escolas militares. Pertencia à arma de Infantaria. A partir de 1914, estava em operações no Estado de Santa Catarina, com a 2ª. Brigada Estratégica. Foi promovido a 1º Tenente post mortem “por atos de bravura” (13). Tinha apenas 33 anos quando faleceu.
 
  Em minha pesquisa no “Dezenove de Dezembro”, constatei que Alfredo Munhoz é mencionado muitas vezes, assim como seu pai. Estas são as referências que julguei mais interessantes incluir aqui, visando melhor caracterizar o contexto social da época de CJM:    

O jornal noticiou, no começo de 1864, que Alfredo foi nomeado para o cargo de “praticante” da Tesouraria de Fazenda. Antes disso, em 1863, ele foi admitido como “colaborador” dessa Tesouraria, segundo seu sobrinho Alcides Munhoz (nesse tempo, funcionavam juntas as tesourarias de fazenda do governo geral e provincial; mas com a separação, ele vincula-se à Tesouraria geral, conforme o necrológio de Alfredo, publicado em “A República” de 1º de fevereiro de 1921. Informa-se aí também que ele foi nomeado seu “praticante” mediante concurso). Tinha assim 18 anos ao iniciar a carreira fazendária, após retornar do Colégio Köpke de Petrópolis, onde permaneceu 5 anos (entrou no Colégio aos 12 anos, ainda de acordo com Alcides). Sua mãe falecera dois anos antes, em 1861.

A forma de acesso aos cargos da Tesouraria era por concurso. O decreto imperial nº 2.549, de 14 de março de 1860, declarava, em seu art. 1º, que

  O  provimento  dos  empregos de  Amanuenses, e Oficiais das Secretarias das Tesourarias de Fazenda, de  Praticantes, e das duas últimas  classes de Escriturários do Tesouro Nacional,  e  das  mesmas Tesourarias  de  Fazenda  só  poderá  ter  lugar  por  meio  de  concurso.

O decreto definia também as matérias do concurso, que abrangiam prova escrita e oral. O presidente da província nomeava examinadores, por matéria. O art. 18 afirmava que “O concurso para preenchimento dos lugares vagos da classe imediata à de Praticantes terá lugar entre estes” e o art. 19, que “O último concurso terá lugar somente entre os empregados /.../ das Tesourarias de Fazenda /.../ da classe imediatamente superior à de Praticantes”. Outro artigo previa demissão para os Praticantes que não se submetessem ao concurso para acesso à classe superior, ou fossem reprovados em dois concursos consecutivos.  

Como se vê, não só o acesso mas também a progressão na carreira fazendária dependia de concursos, que, diferentemente do que ocorre hoje em dia, eram internos às repartições. A legislação exigia não só a participação dos funcionários nesses concursos, mas também a sua aprovação neles, sob pena de demissão...

Independentemente dos méritos intelectuais de Alfredo, cabe perguntar até que ponto esses concursos eram para valer. Alcides Munhoz relata o caso de um funcionário da Tesouraria, vindo de uma província do Norte, que apesar da aparência enganadora era analfabeto! (14). A posição social dos candidatos, ou de seus padrinhos, certamente exercia influência sobre a sua admissão e ascensão no serviço público (15).   

Edições posteriores do jornal informam a nomeação de Alfredo a “2º escriturário” em 1865, “oficial da secretaria” em 1870 e “contador” daquela Tesouraria em 1873 (16). Em 1865, no início da Guerra do Paraguai, o alferes Alfredo é nomeado também tenente da 2ª. companhia do 1º corpo de cavalaria da Guarda Nacional, cujo comandante era CJM, como vimos (17). Em 1876, sua renda, como empregado público, é de 2:400$000, conforme consta na lista geral dos cidadãos aptos a votar da paróquia de Curitiba, organizada para atender ao disposto no decreto nº 6.097, de 12 de janeiro de 1876 (18), que regulava o sistema eleitoral. No Relatório do presidente Lamenha Lins apresentado à Assembleia Provincial em 15 de fevereiro de 1877 (19) constam dados sobre as despesas realizadas nas colônias circunvizinhas da Capital, fornecidos pela Contadoria da Tesouraria de Fazenda do Paraná, sendo mencionado o contador Alfredo Munhoz. Este já dirige a Tesouraria de Fazenda interinamente, aos 31 anos, de 14 de setembro de 1876 a 29 de janeiro de 1877. É elogiado no Relatório referido de Lamenha Lins nestes termos: “por sua inteligência, probidade e amor ao trabalho soube manter o conceito de que realmente deve gozar uma repartição desta ordem” (20). 

1878 é o ano em que os liberais assumem o poder, em 5 de janeiro, com o gabinete do Visconde de Sinimbu. Em 23 de março, Rodrigo Octavio de Oliveira Menezes, do partido Liberal, assume a presidência da província.  E em 8 de junho do mesmo ano, Alfredo é nomeado inspetor (efetivo) da Tesouraria da Fazenda no Paraná. Mas três meses depois, em 6 de setembro, é de novo nomeado, agora inspetor em comissão da Tesouraria de Mato Grosso (cf relatório daquele presidente de 31 de março de 1879, p. 88). Permanece nesse cargo até meados de 1879. Retorna ao Paraná e reassume, em 24 de novembro desse ano, a inspetoria de sua Tesouraria, “continuando a recomendar-se por seu zelo, atividade e inteligência, e merecendo assim toda a minha confiança”, como diz o presidente Manuel Pinto de Souza Dantas Filho em seu relatório de 16 de fevereiro de 1880, p. 69.

Alfredo exercerá o cargo de dirigente da Tesouraria Nacional no Paraná por aproximadamente dez anos, até 29 de junho de 1889, quando entra em licença para tratar da saúde, aposentando-se a pedido em agosto desse ano (21).

Na nota 22 menciono todas as edições do jornal “Dezenove de  Dezembro” que publicaram editais da Tesouraria de Fazenda, ou se referiram a Alfredo na condição de “inspetor” ou seja dirigente desse órgão do Ministério da Fazenda na província do Paraná (o último desses editais foi assinado em 9 de maio de 1889 e publicado no DD de 11 de maio  desse ano, p. 3-4).  Elas comprovam assim a minha assertiva. Mostram que sua permanência no cargo abrange o período 1878-1889, e não apenas 1884-1887, como consta na parte histórica do site da Secretaria da Receita Federal (23).

Em abril de 1883, o DD informa que foi concedida a Alfredo licença de três meses para tratar de sua saúde (24), que ele só vai gozar a partir de 28 de junho (25). Logo depois, segue para a Corte

o digno e ilustrado inspetor da tesouraria de fazenda da província. Sr. Alfredo Caetano Munhós /.../. Moço estimável e distinto por seu caráter e pelos conhecimentos elevados da repartição que dirige /.../ Por seu critério e aptidão reconhecidamente apreciados, ele tem feito um verdadeiro apostolado do cargo que exerce; e por este motivo e com justiça goza da mais plena confiança do governo quer provincial quer geral. (26)

Era época de domínio liberal, e por aí se vê que ele era prestigiado por ambos os governos (apesar de membros de sua família serem vinculados ao Partido Conservador). O comendador Antonio Alves de Araújo, vice-presidente em exercício da presidência, manda lhe dar passagens (por conta do número delas a que tinha direito o governo), para seu deslocamento de Curitiba até Antonina (certamente via estrada da Graciosa, concluída em meados da década de 1870), e depois, desse porto para o do Rio de Janeiro. No primeiro caso, a ordem foi para Júlio Eduardo Gineste dar passagem em uma das suas diligências, e no segundo, para o agente da companhia de vapores em Antonina. Ele deveria dar passagem de 1ª classe a Alfredo no primeiro vapor que por ali passasse, com destino à Corte (27). Regressa do Rio de Janeiro em 16 de agosto (28), renunciando ao resto da licença a que tinha direito, e reassume suas funções na Tesouraria de Fazenda (29).   

No exercício do cargo de inspetor da Tesouraria de Fazenda, de 1878 a 1889, Alfredo, funcionário de carreira, atravessará governos liberais e conservadores. Como vimos, de 1878 a 1885 (até 20 de agosto), os gabinetes do 2º Império são chefiados por liberais. De 1885 a 1889 (até 7 de junho), os gabinetes são de conservadores (30).

Em 7 de junho de 1889 assume novamente um gabinete liberal, o último do Império, com a consequente  repercussão no nível provincial. Logo depois, em 29 de junho, o DD informa que foi concedida a Alfredo 6 meses de licença, com ordenado, para tratar de sua saúde (31).  A licença assim se prolongaria até o final de dezembro de 1889. Mas já em agosto de 1889 ele obtém a aposentadoria solicitada, como vimos (32). A saúde não deve ter sido o motivo real para o seu afastamento voluntário da Tesouraria. Qual seria então o motivo? Talvez a conveniência política. Alfredo poderia se sentir, agora, mais desconfortável, ao manter-se no cargo no novo período liberal, testemunhando a clássica “derrubada” contra seus amigos conservadores (embora fosse possível manter-se nele, uma vez que era “inspetor efetivo” e não comissionado). Mas creio que o mais provável é que se cansara do serviço público, excessivamente afetado pelos ventos políticos, ele que aos 44 anos tinha ainda muita curiosidade intelectual e disposição para desenvolver os seus projetos pessoais... 

Rapidamente caracterizada a sua carreira profissional, apresento agora referências na imprensa local, especialmente no “Dezenove de Dezembro”, relativas a outros aspectos de sua vida, no período de tempo que nos interessa (até o final do Império).

Durante a Guerra do Paraguai, como a força de linha estava toda mobilizada, o tenente Alfredo Munhoz, da Guarda Nacional, prestou serviços como os de ronda noturna da cidade de Curitiba, guarda de cadeia e no quartel dos “designados”, em acréscimo às suas atividades profissionais rotineiras na Tesouraria de Fazenda, o que lhe valeu elogio por parte do governo geral (cf. seu necrológio, já referido, publicado em “A República” de 1 de fevereiro de 1921. Nessa mesma fonte, consta que ele foi um dos fundadores das lojas maçônicas “Dezenove de Dezembro”, “Apóstolo da Caridade” e da “Fraternidade Paranaense”, tendo colaborado inclusive para o periódico “Jerusalem” desta última loja).

Alfredo e seu irmão Caetano Alberto são citados na matéria que o “Dezenove de Dezembro” publicou em 27 de abril de 1870- p.4 sobre a recepção que os curitibanos fizeram aos soldados que participaram da Guerra do Paraguai, os chamados Voluntários da Pátria. Na edição do dia 30, p. 3, sob o título “Festejos”, consta matéria mais extensa sobre essa recepção, e também a transcrição dos poemas de Caetano Alberto (sem título) e Alfredo Munhoz (“Heróis comprovincianos”) alusivas ao evento, que eles recitaram no Largo da Matriz (33). Os soldados chegaram às 16 horas do dia 27 de abril comandados pelo “tenente Fabrício”, acompanhados pela banda de música de Morretes, e alguns outros militares, “que os foram receber a grande distância”. Ao meio-dia, sua aproximação foi anunciada por tiros de artilharia e depois por foguetes, que partiam das torres da velha Igreja Matriz. À entrada da cidade havia um arco com guarda de honra. O chefe de polícia, demais autoridades e a comissão de festejos os aguardavam. Foram saudados pelo chefe de polícia, o vigário Agostinho Machado Lima e o Dr. Generoso Marques dos Santos. “Duas jovens galantes” os cobriram de flores e recitaram poesias. Foram recepcionados no quartel de polícia, onde lhes foi oferecida “magnífica refeição”. Alguns dos presentes lhes ergueram brindes. Essa recepção prolongou-se até as 19 horas. Dali foram para o Largo da Matriz, onde havia  um pavilhão profusamente iluminado e o povo se aglomerava. Após o hino nacional, Generoso Marques e o padre Agostinho manifestaram-se novamente, além do “professor Costa”, Coriolano Mota, Leocádio Pereira, que recitou uma poesia, como fizera o Dr. Generoso, e também fizeram o Dr. Pedrosa, Alfredo Munhoz, Caetano Alberto e Gustavo de Castro. Proferiram discursos ainda “Dr. Barros, capitão Previsto, Almeida França e Dr. Faria Sobrinho”. As ruas da cidade foram iluminadas e nas janelas de algumas casas “ondulava a bandeira nacional”. No dia seguinte, 28 de abril, haveria um solene Te Deum em ação de graças. Depois, os Voluntários da Pátria seriam recebidos na Câmara Municipal, onde lhes seria servido um “esplêndido 'lunch'”.               

Ainda em 1870, o DD informa o resultado da eleição, realizada em 20 de novembro, dos membros da diretoria da sociedade “Concórdia Curitibana” “que tem de servir no trimestre futuro”. O vice-presidente eleito é Alfredo Caetano Munhoz. O presidente é Joaquim de Almeida Faria Sobrinho (1847-1893), já citado acima, que era então promotor público da comarca da capital (34);  mais tarde, esse membro do Partido Conservador será presidente da província, de 30 de maio de 1886 a 26 de dezembro de 1887 (35). Ainda com relação à “Concórdia Curitibana”, o 1º secretário eleito é Francisco de Paula Ribeiro Vianna (cunhado de Alfredo, pois era casado com sua irmã Francisca), o 2º secretário, Gabriel da Silva Pereira Ribas e o tesoureiro, Manoel Fernandes Loureiro (36). 

Alfredo também foi membro de irmandades religiosas, como era costume então, nesse tempo em que a “religião católica apostólica romana” era a religião do Império, o que constava explicitamente no art. 5º da Constituição de 1824. Como se sabe, foi só com o advento da República que o Estado passou a ser laico.

Em 21 de abril de 1872 realizou-se em Curitiba, em sua Igreja Matriz,  eleição dos novos provedores e mesários da Irmandade do SS. Sacramento para o ano de 1873. O tenente Alfredo Caetano Munhoz, então Chefe de Seção da Tesouraria de Fazenda, foi eleito um dos 12 “mesários” (37). Dentre os 8 “provedores” escolhidos consta o nome de seus tios major Bento Florêncio Munhoz, brigadeiro Manoel de Oliveira Franco e comendador João de Oliveira Franco. Alguns anos depois, Alfredo, já Contador da Tesouraria, foi eleito também um dos 8 provedores dessa Irmandade, para o período 1876-77 (38).  Em dezembro de 1882, o DD informa que Alfredo foi eleito um dos (agora) 12 provedores da Irmandade. Alguns dos outros provedores: Dr. Joaquim Ignacio Silveira da Mota Jr (juiz de direito de S. José dos Pinhais), Dr Ernesto Dias Laranjeira (juiz de direito da comarca de Guarapuava), Dr. Generoso Marques dos Santos (deputado da Assembleia Geral), major Luiz Manoel Agner (negociante), major Luiz Antonio Requião (coletor), Miguel Miller (proprietário) (39).  Em 1884, os membros da Irmandade do SS. Sacramento são convidados a comparecer dia 8 de setembro na Igreja Matriz de Curitiba “com suas respectivas opas, para assistirem a missa solene e procissão da festa da Padroeira” da cidade (40). E em abril de 1886, o DD publica a "Relação dos irmãos do SS. Sacramento que têm de fazer a guarda do Senhor na quinta-feira santa desde o meio-dia até ao meio-dia de sexta-feira da Paixão”. Dentre os diversos pares de nomes, e respectivos horários, são citados o tenente Alfredo Munhoz e seu cunhado major Manoel de Souza Dias Negrão, que fariam a guarda na sexta-feira da Paixão, das 2 às 4 horas da manhã (41).

A respeito dessa antiga Irmandade do SS. Sacramento da Matriz de Curitiba (cujos Capítulos foram aprovados em 1750), afirma o “Dicionário Histórico-Biográfico do Estado do Paraná”:

   Tratando-se de Irmandade com objetivos assistenciais, além do pagamento da espórtula de 400 réis por todos os Irmãos, as funções de diretoria eram também onerosas. Assim, o Provedor deveria pagar 32$000, o Escrivão 16$000 e os Mesários, 2$000 (42).

Desse modo, à ascensão profissional de Alfredo corresponde uma ascensão também nos postos que ocupa dentro dessa Irmandade, que, embora acarretasse um ônus financeiro maior, lhe dava, em contrapartida, mais “status” social.  

Alfredo participou também de três outras irmandades: a de N. Sra da Luz, a da Misericórdia e a do Senhor Bom Jesus do Perdão. A primeira, existente na Igreja Matriz de Curitiba, como a do SS. Sacramento, também é bem antiga, pois passou a receber irmãos desde o final de 1743, sendo seu Compromisso registrado no ano anterior (43). Em 1873 Alfredo era um dos “irmãos mesários” da Irmandade de N. Sra da Luz, juntamente com Agostinho E. de Leão, Generoso M. dos Santos, Bento A. de Menezes e outros (44).

Quanto à Irmandade de Misericórdia, ele foi um dos eleitos em 30 de janeiro de 1876 para servi-la ao longo desse ano. Alfredo servirá como “mordomo dos presos” enquanto seu tio Bento Florêncio Munhoz será um dos 12 “mesários”. Na ocasião, foi reeleito provedor o Dr. José Cândido da Silva Murici (45).   

Alfredo Munhoz era membro ainda da mais recente Irmandade do Senhor Bom Jesus do Perdão, vinculada à igreja do Rosário, da qual seu pai fora um dos instituidores e cujo Compromisso foi aprovado pelo presidente José Joaquim do Carmo em 17 de março de 1864 (46). Caetano Alberto já era seu mesário em 1867-69. Para o ano 1884-85, foram eleitos os “seguintes irmãos” como “festeiros e empregados”: Juiz- Tenente Alfredo Caetano Munhoz. Juíza- D. Anna Antonia Torres de Freitas (segundo os artigos 21 e 22 do Compromisso, o Juiz devia contribuir com 50 mil réis para a receita da Irmandade, assim como a Juíza). Tesoureiro- Tenente-coronel Manoel Euphrasio de Assumpção. Escrivão- Eulampio Rodrigues de Oliveira Vianna. Procurador- João Baptista Gomes de Sá. Segue-se, na matéria do DD, a relação dos nomes de 12 mesários (47). Todas as “dignidades eleitas” tomaram posse no dia 15 de agosto de 1884 (48).

O tesoureiro da Irmandade, tenente-coronel Manoel Euphrasio de Assumpção (1827-1901), participou desde o início das atividades da força policial do Paraná, criada pelo presidente Zacarias em 1854, da qual alguns anos depois se tornaria comandante, cargo que exerceu até 1881.  Participou da Guerra do Paraguai como integrante dos Voluntários da Pátria. Era pai de Paulo de Assumpção, artista plástico, e de Pamphilo de Assumpção, “um dos poucos doutores em direito formados em São Paulo e que lá mesmo defendeu tese” (49). Pamphilo casou-se com Maria Amélia, também artista plástica, prima de Alfredo (pois ela era filha do juiz Bento Fernandes de Barros e de D. Joaquina de Oliveira Franco, filha por sua vez do Brigadeiro Franco, seu tio) (50).  

Essa participação de pessoas importantes na comunidade em irmandades religiosas é uma característica da época, e marca uma diferença bem significativa com relação ao nosso próprio tempo.

Em julho de 1872, Alfredo envolvia-se com a direção de outra sociedade local, nessa Curitiba ávida por “civilizar-se”, e afastar de si o caráter provinciano que preocupava os redatores da imprensa local. A cidade tinha então pouco mais de 12.600 habitantes, conforme o primeiro censo realizado no país, já comentado. O DD informa quem são os membros do clube “Flor do Paraná” que terão de servir no trimestre de julho a setembro. Alfredo Munhoz, então com 27 anos, é novamente o vice-presidente (como no caso da sociedade “Concórdia Curitibana” citada acima). O presidente é Tibúrcio Borges de Macedo (51). O Capitão Tibúrcio (1829-1877) era filho do Ajudante (equivalente a Capitão) José Borges de Macedo, membro do Partido Liberal, que ocupou vários “cargos da governança” e foi o primeiro prefeito de Curitiba (52).    

Na ata da sessão da nossa Câmara Municipal de 27 de janeiro de 1873, consta que Alfredo, João Baptista Ribeiro e Dr. Sérgio Francisco de Souza Castro pediram

que a Câmara em prazo curto obrigasse os seus vizinhos a terraplenar e nivelar antigo leito do rio Ivo, visto ter-se tornado um receptáculo de águas estagnadas e imundícias que, sob a influência dos raios do Sol, exala miasmas pestilenciais, tornando-se assim um foco de enfermidades que costumam grassar nesta cidade.

A Câmara resolveu nomear uma comissão composta de um médico e um engenheiro para opinar sobre o assunto (53).

Sérgio de Castro (1840-1921) era um advogado militante que havia se formado em 1861 pela faculdade de Direito de São Paulo. Retornando ao Paraná, foi nomeado secretário da polícia da província, oficial da sua secretaria do governo e diretor geral da Instrução Pública. Na época daquela solicitação à Câmara, em 1873, já havia sido deputado à Assembleia Provincial do Paraná  por dois biênios (1864-65 e 1868-69). E logo seria eleito deputado para a Assembleia Geral, em 1876, sendo reeleito em 1878 (54).  

Três anos mais tarde, o DD de 5 de fevereiro de 1876- p.4 publica edital da Câmara em que ela resolve 

mandar proceder ao dessecamento dos banhados existentes atrás da rua do Comércio  desde os fundos da casa do Sr. tenente Alfredo Munhós até a travessa da rua do Riachuelo.

Para a realização desse serviço, a Câmara quer receber propostas “em carta fechada”. Por aí se vê que a residência de Alfredo localizava-se na rua do Comércio, atual rua Marechal Deodoro, em Curitiba (que também foi chamada, no tempo da monarquia, de rua do Imperador).  

No DD de 5 de setembro de 1877- p. 3 consta a seguinte nota, mostrando a precariedade dos aparelhos de estado da época:

SECRETARIA DO GOVERNO- Acha-se funcionando atualmente esta repartição na casa do Sr. Alfredo Caetano Munhós, à rua do Comércio. 

Por uma outra edição do jornal, de 1877, verificamos que os filhos de CJM tinham ligações com a Maçonaria (já vimos que em 1870 Alfredo participou da direção da sociedade “Concórdia Curitibana”). Alfredo Munhoz e Caetano Alberto  discursaram, juntamente com outros (inclusive o Dr. Faria Sobrinho), na cerimônia de regularização da loja maçônica “Concórdia 4, “composta de alemães residentes nesta capital”, realizada na casa do Sr. Wolf, no Alto de S. Francisco  (55). Esse “Sr. Wolf” deve ser o austríaco Fredolin Wolf, que construiria nessa mesma região da cidade, alguns anos depois (em 1880), o palacete da praça Garibaldi, hoje administrado pela Fundação Cultural de Curitiba. A propósito, o site dessa Fundação também informa que em 1914 o andar superior do imóvel foi ocupado pela Loja Maçônica de Curitiba (56).        

Segundo o “Dicionário do Brasil Imperial”, o país atravessara no período 1872-75 a chamada “Questão religiosa”, na qual se tornaram críticas as relações entre a Igreja Católica e o Estado devido principalmente à atuação de alguns bispos que, seguindo a orientação papal, condenavam a Maçonaria, considerando-a incompatível com a religião católica. D. Vital, bispo de Olinda, interditou “duas capelas de irmandades que se recusavam a expulsar os confrades maçons”. Posteriormente, ele suspendeu das ordens o deão da catedral, “próximo da Maçonaria e líder do Partido Liberal na província” (de Pernambuco), assim como mandou publicar “um breve papal, que ordenava aos bispos do Brasil a dissolução das irmandades infestadas pela Maçonaria”. Mas sua atitude ia contra a Constituição brasileira, segundo a qual as decisões da Igreja, para serem executadas aqui, deviam ser submetidas à aprovação do Estado. Por outro lado, as associações, por serem leigas, não podiam ser extintas “sem a anuência do poder civil”. Assim, os conservadores, então no poder, afirmavam que o breve papal era “uma intervenção nos assuntos do país por um monarca estrangeiro” e propunham o rompimento de nossas relações diplomáticas  com a Santa Sé. Em conseqüência de um processo movido contra D. Vital, e também D. Antônio, bispo do Pará, cujo comportamento era semelhante ao seu, ambos os bispos chegaram a ser presos, julgados e condenados a cumprir pena. A Maçonaria tivera um papel importante na história do Brasil desde o começo do século XIX, quando as primeiras lojas foram criadas aqui, contando com personalidades que contribuíram para a independência do país, e outros eventos políticos importantes. Contava também com a participação de sacerdotes. A crise -- dada as polêmicas travadas na imprensa e as notícias relacionadas ao tema -- sensibilizou a população. Encerrou-se com a comutação da pena e a anistia aos bispos concedida pelo Imperador. Entretanto, os historiadores consideram que essa crise desgastou a imagem da monarquia junto ao povo (57).  

O fato de Alfredo e seu irmão Caetano Alberto, respectivamente com 32 e 30 anos, participarem da Maçonaria revela independência de espírito e adoção da  atitude nacionalista desta, contrária à postura ultramontana da Igreja, que buscava subordinar-se diretamente ao Vaticano, em detrimento do Estado brasileiro, cuja religião oficial, todavia, continuaria a ser o Catolicismo até o fim do Império.   

Em 1880 Alfredo Caetano Munhoz é um dos 17 membros que integram a comissão "para promover os meios e preparar a recepção de Suas Majestades Imperiais em sua próxima visita a esta província". Tratava-se da visita do imperador D. Pedro II, da imperatriz e sua comitiva, que chegaram ao porto de Paranaguá em 18 de maio de 1880 (58). Outros nomes da comissão: Dr. Sérgio Francisco de Souza Castro, Dr. Agostinho Ermelino de Leão, Dr. Joaquim de Almeida Faria Sobrinho, Dr. João José Pedrosa, Ildefonso Pereira Correia (que receberia o título de Barão do Serro Azul em 1888) (59). As atividades de SS.MM.II. (Suas Majestades Imperiais) em Curitiba abrangeram a inauguração do hospital da Santa Casa (em 22 de maio), visita a algumas colônias, contatos com representantes da Assembleia Provincial e também de diversas câmaras municipais (60). Depois visitaram Campo Largo, Palmeira e Ponta Grossa (61). O “Dezenove de Dezembro” informa também que o Imperador partiria para Morretes no dia 3 de junho, dia 4 estaria em Antonina, dia 5 em Paranaguá, onde seriam inaugurados os trabalhos da estrada-de-ferro, embarcando depois SS.MM. para a corte. Em Antonina, hospedaram-se na casa do comendador Antônio Alves de Araújo (62) e em Paranaguá, na do comendador Manoel Antônio Guimarães, Barão de Nácar desde 1876 (63).   

Quatro anos e meio mais tarde, quando da visita do Conde d'Eu e da princesa Isabel ao Paraná, no final de 1884, para inaugurar a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, Alfredo é novamente designado, certamente por ser o dirigente da Tesouraria da Fazenda, para integrar a “comissão encarregada dos festejos a SS.AA. (Suas Altezas) Imperiais”, composta por 21 membros. O presidente da comissão é o Dr. Agostinho Ermelino de Leão, o vice-presidente comendador A. Martins Franco, o secretário A. D. de Barros, o tesoureiro José Hauer e o procurador, A de Assis Teixeira (64). Diz o “Dicionário Histórico-Biográfico do Estado do Paraná”: “A 19 de dezembro de 1884, chegou o primeiro trem de Paranaguá a Curitiba. Dias antes, a 29 de novembro, a Princesa Isabel, com a sua comitiva, desembarcava no Atuba” (65).

Em 1880, segundo o DD de 4 de agosto, p. 3, o Dr. João José Pedrosa ofereceu em sua casa um jantar ao Dr. Manuel Pinto de Sousa Dantas Filho, presidente da província que estava deixando o cargo (sendo substituído pelo primeiro; ambos do Partido Liberal). O "serviço correu profuso e delicado, demorando-se entre 4 e 7 horas da tarde". Dentre os brindes trocados na ocasião, a matéria menciona o do Dr. Dantas Filho a Alfredo Munhoz, "um dos caracteres mais dignos, e um dos auxiliares mais eficazes da administração como inspetor da tesouraria de fazenda". O Dr. Pedrosa, segundo David Carneiro, “foi o primeiro paranaense a governar, por nomeação direta do governo imperial, a sua província de nascimento” (66). Durante sua gestão, Alfredo foi um dos três nomeados por ele para integrar comissão "a fim de agenciar donativos para a construção de uma capela no cemitério público desta capital". Os outros nomes citados são o comendador Ildefonso Pereira Correia (futuro Barão do Serro Azul) e o tenente-coronel Benedito Enéas de Paula (67). Em seu relatório de 16 de fevereiro de 1881, p.54-55, o presidente João José Pedrosa justifica tal atitude pela falta de condições financeiras da província para atender a essa demanda social. Ele incumbiu o engenheiro Gottlib Wielland de elaborar a planta da obra e seu orçamento. E encarregou o tenente-coronel  Antonio Ricardo Lustosa de Andrade de dirigir a sua execução, “recebendo da comissão indicada o produto dos donativos que forem agenciados” (o tenente-coronel Lustosa de Andrade -- tio de Alfredo, pois casara com uma irmã de sua mãe -- já estava encarregado das obras da igreja da Ordem Terceira de S. Francisco das Chagas -- cf. também relatório do presidente Sancho de Barros Pimentel de 26 de janeiro de 1882, p. 16).

Quando o presidente vai deixar o cargo, em 1881 -- após seu breve mandato à frente dos negócios da província, como ocorria com frequência no tempo do Império --, Alfredo é uma das pessoas que integram a "comissão de convites" para o baile oferecido ao Dr. Pedrosa "pelos seus amigos e apreciadores" no dia da posse do novo presidente da província (68). Outros nomes que integram a comissão: Drs. Manoel Alves de Araújo, Sérgio Francisco de Souza Castro, Agostinho Ermelino de Leão, comendador Antonio Martins Franco.

O Dr. Pedrosa morreria prematuramente. Numa edição de maio de 1882, o DD informa (69) que o presidente Dr. Carlos Augusto de Carvalho, o Dr. José Joaquim Franco Valle e Alfredo Munhoz mandaram celebrar missa na Igreja Matriz pela sua alma. João José Pedrosa morrera de tifo no Pará, onde ocupava o cargo de presidente da província. Tinha apenas 37 anos. Já havia exercido o mesmo cargo na província de Mato Grosso em 1878-1879 (e não em 1875, como consta na obra citada acima, de David Carneiro) e no Paraná, em 1880-1881. Assumiu a administração da província de Mato Grosso em 6 de julho de 1878 (70), enquanto Alfredo, nomeado inspetor (em comissão) de sua Tesouraria de Fazenda por um decreto de 6 de setembro desse ano, assumiu o cargo logo depois, em 2 de novembro. Permaneceu em Cuiabá pouco mais de 8 meses, até 12 de julho de 1879, quando foi dispensado, a pedido, do cargo (71). Assim, a relação de trabalho entre os conterrâneos, residentes nessa outra província do Império, deve ter contribuído para criar uma grande amizade entre os dois. Ao deixar a inspetoria, Alfredo recebeu uma carta elogiosa do presidente João José Pedrosa, datada de 10 de setembro de 1879, em que o chama de “modelo de empregado pela dedicação ao serviço” e “pela lealdade e imparcialidade com que soube desempenhar as funções do cargo”. A carta consta do livro “Folhas Cadentes”, de Alcides Munhoz (p.34-35).  

Após deixar a presidência da província, e antes de assumir a do Pará, João José Pedrosa foi inspetor da Tesouraria Provincial, conforme registra o presidente Sancho de Barros Pimentel em seu relatório de 26 de janeiro de 1882, p. 25. Ele atuou assim numa área afim à de Alfredo, que representava aqui a Tesouraria de Fazenda Nacional, o que deve ter reforçado ainda mais as relações de amizade entre ambos.

Quatro anos depois do falecimento de Pedrosa, em 1886, Alfredo ainda convida para a missa que ele e Ignacio Alves C. Carneiro mandaram rezar, na Igreja Matriz, pela alma "de seu prezadíssimo e sempre lembrado amigo dr. João José Pedrosa" (72).

Nota no DD de 1º de setembro de 1880- p. 4 fornece informações sobre os cidadãos da província que foram agraciados com títulos de visconde, barão e condecorações (Comendador, Oficial da Rosa, Cavaleiro da Rosa e Cavaleiro de Cristo). Alfredo Munhoz recebeu a condecoração de "Cavaleiro da Ordem da Rosa" juntamente com o Dr. Generoso Marques, major Luiz Manoel Agner, Mariano Torres, A. Stellfeld e outros. Ele foi condecorado por um decreto de 31 de agosto de 1880 (73). No final deste ano, o DD publica nota assinada pelo "coletor das rendas gerais desta capital" Luiz Antonio Requião comunicando aos interessados que se acham na sua repartição ("a fim de serem solicitadas") as cartas pelas quais os nomes que arrola foram agraciados com os diversos graus das ordens da Rosa e de N. Sr. Jesus Cristo. Dentre os citados com o grau de "cavaleiro" da Ordem da Rosa consta o nome de Alfredo Caetano Munhoz (74).

Em 1883, Alfredo Munhoz é um dos integrantes da comissão instituída pelo presidente da província Oliveira Bello para dar continuidade à construção de casa escolar na rua Aquidaban (atual Emiliano Perneta). As obras dessa casa foram iniciadas pelo presidente anterior (Carlos A. de Carvalho- v. adiante). Elas receberão 40% do imposto predial do município de Curitiba, mas os recursos são insuficientes. Por isso, para levantar fundos, nomeou-se essa comissão, formada por 23 pessoas importantes da  comunidade, que deverá "promover leilões de prendas, concertos e bailes nos salões do Museu", a cargo do Dr. Agostinho Ermelino de Leão. Além deste, também integram a comissão, juntamente com Alfredo, os comendadores Antonio Alves de Araújo e Ildefonso Pereira Correia, o Dr. Emygdio Westphalen e o Dr. Generoso Marques dos Santos, dentre outros (75).   

No final do ano, o presidente Oliveira Bello, após autorização da Assembleia Provincial, decide instituir aqui o ensino obrigatório. Expede, em 3 de dezembro de 1883, um Regulamento que organizava tal ensino e continha as seguintes disposições (além de prever sanções e multas para os infratores): cada cidade, vila ou povoação da província constituiria uma circunscrição escolar, cuja área seria dividida em distritos, identificado por um número. Cada distrito ficaria a cargo de um “superintendente”, chamado “do ensino obrigatório”. Esses superintendentes formariam uma comissão, chefiada por um deles. Aos superintendentes competia, ainda de acordo com o citado Regulamento: “fazer o arrolamento da população escolar; fiscalizar a frequência; promover à assiduidade os alunos remissos; impor multas; verificar a necessidade da prestação de roupas aos indigentes etc”. A frequência escolar era obrigatória entre 7 e 14 anos de idade. Oliveira Bello informa ainda em seu relatório de 22 de agosto de 1884, p. 39-40 -- fonte dessas informações -- que já haviam sido fundadas 17 circunscrições, abrangendo toda a Província. Após a instituição do ensino obrigatório na 1ª circunscrição de Curitiba (e em outras circunscrições) tinha havido, segundo ele, um aumento significativo do nº de matriculados.  

Alguns meses antes, em janeiro de 1884, o DD (76) afirmara que a circunscrição da Capital fora dividida em 14 distritos escolares para o estabelecimento do ensino obrigatório. O presidente da província nomeara 14 cidadãos para serem superintendentes desses distritos. O 11º ficou a cargo de Alfredo Munhoz, com a seguinte abrangência: ruas do Aquidaban, do Imperador (onde Alfredo morava, atual Marechal Deodoro) e Largo do Conselheiro Zacarias. Os cidadãos foram sugeridos ao presidente pelo "chefe da superintendência do ensino obrigatório da circunscrição da capital", o Dr. Generoso Marques dos Santos. Também eram superintendentes, dentre outros, Dr. Emygdio Westphalen, Ten-cel Benedito Enéas de Paula, Cap. João Baptista Brandão de Proença, Comendador Ildefonso Pereira Correia e o Dr. Agostinho Ermelino de Leão. Nas circunscrições de ensino, os alunos distribuíam-se por escolas públicas, subvencionadas, particulares ou "recebem ensino em casa" (77). Cobrava-se efetivamente multa de quem não matriculasse as crianças no prazo legal, pois um cidadão pediu relevação da multa que recebeu por não ter matriculado "o ingênuo Júlio, filho da escrava Iphigenia" (78). Nota publicada no jornal de 30 de maio de 1884 (79), sob o título "Ensino obrigatório", refere-se às visitas às escolas dos 11º e 13º distritos, feitas pelos superintendentes Alfredo Munhoz e capitão Jorge dos Santos. Uma delas foi a de D.Narcisa Paula Xavier Munhoz (madrasta de Alfredo, viúva de seu pai, de quem foi a 2ª esposa).  O relatório citado do presidente Oliveira Bello, na p. 51, informa que a escola de D. Narcisa contava 84 alunas matriculadas, sendo frequentada por 81. Sua escola, apenas do sexo feminino, era uma das cinco “subvencionadas” da 1ª circunscrição, que abrangia duas do sexo feminino e três promíscuas. O mesmo relatório informa, na p.50, a existência de 25 estabelecimentos de ensino primário (escolas públicas, subvencionadas e particulares) na 1ª circunscrição, que abrangiam 1.514 matriculados. Adicionando-se os 65 que “aprendiam em casa”, chega-se ao número total de 1.579 alunos, bem mais do que as 1.289 crianças sujeitas ao ensino obrigatório do arrolamento inicial feito em dezembro de 1883, quando foi expedido o Regulamento relativo a tal ensino. Daqueles 25 estabelecimentos de ensino primário, somente 3 ministravam também ensino secundário. Estes eram os colégios particulares Santa Tereza, Partenon e Curitibano. 

Em 22 de agosto de 1884, data do relatório de Oliveira Bello, já havia 16 distritos na 1ª circunscrição, da Capital, cujo chefe das superintendências era agora o Dr. João Pereira Lagos. Ao final do seu relatório (anexado ao do presidente, como os de outras circunscrições), destaca o empenho de cinco nomes, o primeiro dos quais é o do “Sr. Munhós”.  Alfredo, como já foi dito, era responsável pelo 11º distrito. Ao seu tio, tenente-coronel Antonio Ricardo Lustosa de Andrade, coube o 1º distrito (cf  relatório citado do presidente Oliveira Bello, p. 53).

O ensino também passou a ser obrigatório no interior da província, seguindo os mesmos procedimentos definidos no respectivo Regulamento (80).  

Na gestão de Oliveira Bello, o comendador Antonio Alves de Araújo, o Dr. Agostinho Ermelino de Leão e Alfredo Caetano Munhoz foram encarregados pelo presidente de “coligir os elementos com que esta província tem de figurar na exposição inglesa de higiene e de educação, que em maio próximo deve efetuar-se em Londres" (81).  

 Ainda no relatório do presidente Oliveira Bello de 22 de agosto, p. 95-96 -- que foi apresentado ao passar a administração ao seu sucessor -- consta um tópico sob o título “Desfalque no Correio” (esse registro pareceria estranho hoje num relatório de governante, que não se exporia assim ao apontar irregularidades de sua gestão). Oliveira Bello reproduz parte do relatório do inspetor da Tesouraria de Fazenda Alfredo Caetano Munhoz sobre esse desfalque, prontamente levado ao seu conhecimento. A arrecadação do Correio de março de 1884 deveria ser recolhida à Tesouraria até o dia 10 de abril. Seu Administrador alegou estar doente e não fez o recolhimento, no valor de 36:776$310. Posteriormente, foram levantados naquela repartição 23:548$130, logo recolhidos à Tesouraria. Como o Administrador não recolhera o restante, fora preso e seus bens sequestrados, até que satisfizesse seu “alcance” para com a Fazenda Nacional.  

O DD de 28 de setembro de 1884- p. 3 contém artigo assinado por  “A.Munhós” sob o título “Ao 28 de Setembro”. Essa edição do jornal homenageia o Visconde do Rio Branco (do Partido Conservador) pela lei do Ventre Livre -- sancionada nesse dia, em 1871 -- e o novo presidente da província, Dr. Brasílio Machado (do Partido Liberal), pelos esforços de seu governo na área da educação. Estes são os temas do artigo de Alfredo, que preferia assim posicionar-se equidistante das duas opções partidárias. Ele se associa “às expansões que hoje se traduzem em popular regozijo”, comemorando os “dois fatos gloriosos”.

Brasílio Machado é aquele presidente que logo depois, a partir de  novembro do mesmo ano, irá perseguir politicamente Florêncio, irmão mais novo de Alfredo e seu subordinado na Tesouraria de Fazenda, por um comentário crítico dele relativamente aos esforços do presidente para eleger o seu candidato na campanha para deputado da Assembleia Geral Legislativa (v. adiante). Pelo menos essa foi a opinião de Manoel Euphrasio, líder do Partido Conservador, que combateu a lei do Ventre Livre...

No dia seguinte, 29 de setembro, os festejos incluíram inauguração da escola Oliveira Bello e a entrega ao presidente Brasílio de um Livro de Ouro (onde eram “lançadas as libertações”).
Quanto às escolas públicas, é interessante assinalar que até o governo do presidente Carlos A. de Carvalho, conforme seu relatório de 1º de outubro de 1882, p.89, a província não possuía nenhum edifício escolar. Todos eles eram alugados. Em 1882 ele manda construir, basicamente com recursos de donativos, a primeira casa escolar, num terreno na rua Aquidaban que lhe foi cedido pelo comendador Antonio Martins Franco. Informa ainda nesse relatório que na mesma rua, em um terreno oferecido pela viúva do brigadeiro Manoel de Oliveira Franco (D. Escolástica Joaquina de Sá Ribas Franco), mandou começar a construção de escola, essa só para meninas, a ser financiada “com donativos das senhoras paranaenses”. Como era costume nessa época, enquanto a primeira obra ficou sob a direção do capitão Evaristo Cícero de Moraes, encarregou-se da administração dessa última o tenente-coronel Antonio Ricardo Lustosa de Andrade, tio de Alfredo. O próximo presidente, Oliveira Bello, em seu relatório de 22 de agosto de 1884, p. 49, afirma que já estava concluída a construção dessa “casa escolar”. Embora o tenente-coronel Lustosa de Andrade tivesse empenhado “ingente esforço em ultimá-la”, Oliveira Bello, entretanto, não poderia inaugurá-la “por ter urgência de seguir para o Rio de Janeiro”. Deve ser essa escola aquela, referida acima, que foi inaugurada pelo presidente Brasílio Machado e tomou o nome de seu antecessor.  

Nos festejos de 29 de setembro de 1884, o presidente Brasílio discursou e leu 68 cartas de liberdade. O DD publica relação dos nomes dos “generosos cavalheiros que as concederam, assim como o dos escravos libertos”. Dentre eles, consta o de Alfredo Munhoz, que libertou, “com indenização”, a escrava Florinda. Dos 30 proprietários de escravos citados, só 3 deles foram indenizados (82). Conforme outra edição do DD (83), “extinguir o elemento servil por meio de indenização” era a posição de Manoel Euphrasio, que o jornal critica, pelo seu alto custo para o país: 600 mil contos de réis! (o jornal, em seu cálculo, considera 500$000 o valor médio de um escravo nessa época (84). Assim, a postura de Alfredo, na prática, ao libertar a escrava “com indenização” era a mesma dos conservadores. Também o “Futuro” de 13 de junho de 1885- p. 1 transcreve discurso do deputado (da Assembleia Geral) Manoel Euphrasio Correia, em 21 de maio desse ano, posicionando-se contra o projeto do ministério Dantas, do Partido Liberal,  que estabelece “a libertação dos sexagenários sem indenização”. Ele defendia a “legitimidade e a legalidade da propriedade escrava”... 
  
Alfredo foi uma das autoridades que viajaram a Paranaguá, juntamente com o 1º vice-presidente Joaquim d'Almeida Faria Sobrinho, para receber, em 26 de agosto de 1885,  Alfredo d'Escragnolle Taunay, que logo depois assumiria a presidência. No Club Literário, Taunay fez discurso a favor da imigração, “como base principal para o progresso da pátria”. Atendendo ao seu apelo, criou-se uma sociedade com o propósito de incentivá-la e apoiá-la em Paranaguá, presidida pelo Visconde de Nácar. Taunay, que era do Partido Conservador (85), foi presidente da província de 29 de setembro de 1885 a 3 de maio de 1886. Ele deixou o cargo por ter sido eleito deputado da Assembleia Geral Legislativa (ou Câmara dos Deputados) pelo 1º distrito de Santa Catarina. A administração da província retorna assim ao vice-presidente Faria Sobrinho (86).

Em 1885, Alfredo Munhoz era um dos membros da Sociedade Dramática Atheneu Militar (antes S.D.M. Atheneu de Guerra) (87). Anúncio que consta no DD de 1º de dezembro desse ano, p. 3, informa que será encenado no teatro S. Theodoro o drama "O soldado brasileiro", de Ubaldino do Amaral e C. Barata, promovido pela S.D.P. Atheneu Militar (S.D.P devia significar Sociedade Dramática Particular, sigla usada também para uma outra sociedade da época (88). Logo depois, a sociedade de que Alfredo era sócio levaria à cena um drama ("A escrava de Guadalupe ou A honra do marinheiro"), em 5 atos, e uma "chistosa" comédia em 1 ato ("Rato 22- 3º esquerdo"), conforme anúncio do teatro S. Theodoro, publicado no jornal (89). Os "sócios de camarotes" são alertados de que o sorteio será realizado "amanhã, sábado" (aparentemente, ocorria aqui o mesmo que em outros casos: havia “sócios de camarotes” e “sócios de cadeiras”). 

O teatro S.Theodoro fora inaugurado no ano anterior, em setembro de 1884. Quem ali encenou a primeira peça foi justamente a Sociedade Dramática Militar Atheneu de Guerra referida acima. O teatro, cujo nome mudou para Guaíra em 1900, localizava-se na rua Nova (atual Dr. Muricy) em Curitiba. Foi demolido em 1947 e em seu lugar construiu-se o prédio da Biblioteca Pública do Paraná (90).  

Em 7 de dezembro de 1886 realizou-se no Museu Paranaense uma reunião onde foram aprovados os estatutos de uma sociedade científico-literária a ser criada chamada “Arcádia Paranaense”. Sua diretoria ficou assim constituída (91): Presidente: padre João Evangelista Braga (Vigário Geral Forense da província) (92). Vice-presidente: comendador Manoel Ricardo Carneiro. 1º Secretário: Leôncio Correia. 2º Secretário: major Dr. Saturnino N. Cardoso. Tesoureiro: comendador Alfredo C. Munhoz (assim chamado por ter recebido uma comenda, ou condecoração, da Ordem da Rosa). Orador oficial: José Francisco da Rocha Pombo (então deputado da Assembleia Provincial, pelo Partido Conservador; Rocha Pombo (1857-1933) se mudaria depois para o Rio de Janeiro, tornando-se um historiador famoso e chegando a ser eleito membro da Academia Brasileira de Letras). Arquivista: Joaquim Serapião do Nascimento. A instalação solene da sociedade ocorreria no dia 19 de dezembro de 1886, 33º aniversário da emancipação política da província do Paraná. Depois, edital publicado no DD informa que a Arcádia Paranaense conta com 43 sócios fundadores efetivos. A composição da diretoria é republicada nesse edital, esclarecendo que o 2º Secretário era tenente e não major, que o Diretor da Revista da Arcádia era Nivaldo Teixeira Braga (irmão do padre João Evangelista Braga) (93) e que o 1º presidente honorário era o presidente da província Joaquim de Almeida Faria Sobrinho. O objetivo da Arcádia Paranaense era "estudar e coordenar todos os elementos de sua grandeza (i.e. da grandeza do Paraná) e fazê-los conhecidos do mundo". Um ano depois, em 19 de dezembro de 1887, a Arcádia Paranaense realizou uma sessão magna, em que todos os oradores referiram-se à "causa santa" da libertação dos escravos. O presidente da Câmara Municipal, comendador Ildefonso Correia, atendendo um apelo de Leôncio Correia, declarou que iria envidar esforços para que nessa mesma data, no ano que vem, "se festejasse a libertação do Paraná todo ou ao menos de Curitiba" (94). Chegada essa data, o DD de 19 de dezembro de 1888- p.2 informa que a Arcádia comemoraria numa sessão magna naquele mesmo dia a emancipação do Paraná. Como a sanção da Lei Áurea ocorrera em 13 de maio passado, nesse ano, o comendador Ildefonso e o escritor Leôncio Correia viram a sua aspiração concretizada... 

Sobre a Arcádia afirmaria Rocha Pombo em “O Paraná no  Centenário”: 

   A Arcádia Paranaense foi uma associação fundada em 1887 por iniciativa de Nivaldo Braga e com a adesão e apoio de toda a elite intelectual de Curitiba. Tinha por fim comemorar as épocas mais notáveis de história da Província e a festa mais pomposa era a que se fazia a 19 de dezembro de cada ano (95). 

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